sexta-feira, setembro 3

Brinco de marfim

Saiu armada dos melhores perfumes. A escolha da veste etérea confundia-se com a das lembranças que determinariam o pra frente.
Não se queria, para hoje. Preferia guardar-se do mundo, apresentar-se em brincos e lenços emprestados. Eles que saíssem, em boa figura, enquanto seu silêncio permanceria intacto, guardado, escondido. Para hoje, o mundo havia escolhido ser solar demais para seus grandes olhos.
Seu canto era o da lua, gigante em seu grito branco. Levou-a consigo, no brinco de marfim, espada secreta na preguiça do sol forte.
Mais tarde, não seria capaz de reconstruir seu dia em memória. Ele havia existido apenas no brilho lunar, na grande e acolhedora noite ritmada nos sapatos ao sol.

quarta-feira, agosto 25

Brincos de ébano

Cruzei o rio com meus brincos de ébano. O barco, silencioso, delizava ao som suave do amanhecer.
Duas horas me separavam do porto. Não me lembrava do momento em que o dia já não se percebia noite. Há quanto tempo eu vagava no escuro?
O caminho não era meu, não era do barco, mas do rio que não se pertence, segue apenas para a vazante infinita do mar.
A vida não sabe de caminho, não pede solução. Existe, permite-se, respira. Minha troca de ar com as árvores da margem era o caminho pluvial da mescla da alma vegetal com a minha.
Como meu barco, a alma percebe seu caminho entre meu pulmão e a seiva arbórea: seu lugar é em caminho, habitat aéreo.
Podia ver o movimento das folhas com os olhos fechados. O silêncio das águas era um abraço quente.
Dia já alto, eu sonhava com o ruiído congelado das minhas pegadas na terra.

Run, Forest.

Olho do alto da torre a tua displicência desfilar debaixo dos teus cabelos macios.
Em fuga fácil, teus braços esbarram nas paredes do labirinto. E você grita por seus muros, pelos espinhos, pelo silêncio.

Sinto desconforto pela visão de quem queria sentir o chão logo abaixo dos pés. A torre é sua, não a minha casa. Você é um covarde.

terça-feira, agosto 24

Já vai terminando o verão, enfim.

Sentir é caminhar por outros pés.
Os meus se misturavam aos caminhos. Dedos, poeira e chão.
Os olhos só existem vistos de fora. E não há fora para olho nenhum. Não fosse em algum espelho, só poderia encontrá-los nos teus.

Os olhos são os meus, mirantes do mundo. Reflexo vago, fluxo aquático. Mudam de cor como mudam de espelho.
Estrada cheia de pássaros em silêncio. Nunca vazia e tão cheia de silêncio.

A neve é linda, e inunda meus sonhos de silêncio. Anseia pela primavera com suas cores musicais. Derrete-se em nuvens.

segunda-feira, agosto 23

Início de viagem

Meu carrossel tem asas.